Alan Morici fala sobre pautas delicadas que podem surgir na carreira de um fotojornalista e como lidar com elas. Confira:
Fotos: Alan Morici. Últimos preparativos na arena Condá na cidade de Chapecó em SC, na éspera do velório coletivo das vítimas da queda do avião da Chapecoense.
Na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza. Não, não vamos falar sobre fotografia de casamento. Nosso foco continua sendo o fotojornalismo e suas vertentes. É muito bom ver a foto do seu time nas capas de todos os jornais levantando a taça de campeão no dia seguinte à conquista de um título importante, não é? Quem não curte aquela fotografia do seu ídolo da música durante sua performance em um grande show, os fogos rasgando os céus das grandes cidades no Réveillon? Um lançamento de um produto novo no mercado, uma peça de teatro ou um festival de dança?
Em todos estes acontecimentos, lá estará um fotógrafo para registrar e levar um pouquinho da energia e da alegria àqueles que não puderam comparecer ou simplesmente deixar aqueles momentos felizes guardados na história. E o que falar da emoção quando se vê pela primeira vez o álbum de fotos de seu casamento, do aniversário de um ou quinze anos da sua filha…
Então, podemos dizer que os fotógrafos são seres privilegiados encarregados de transmitir a alegria através de suas imagens? Nem sempre, pelo menos, não é o caso do fotojornalista. Quando se escolhe esta área para atuar automaticamente, e talvez involuntariamente, se assume um compromisso com a verdade, ainda que seja a sua verdade, o seu ponto de vista. É como um casamento que, se for cumprir ao pé da letra, irá conviver com a alegria e com a tristeza em seu dia a dia, e tem que estar preparado para essas inevitáveis variantes.
Acidente grave com vitima fatal entre caminhões e carros na altura do KM 19 da Rodovia Anhanguera perto de Osasco na grande São Paulo.
Ninguém se sente confortável ao ver fotos de um acidente fatal, de vítimas de agressão, uma mãe chorando no velório de seu filho, famílias desabrigadas repentinamente ou as consequências de fenômenos naturais. Claro, todos podem escolher se querem ver a foto ou não, mas o fotojornalista pautado para cobertura não tem escolha, o desconforto dá lugar a responsabilidade de levar aquela informação da forma mais séria, real, sutil e ética possível.
Todo fotojornalista de ofício, em algum momento já teve ou terá que conviver com a tragédia, e os desafios desse tipo de cobertura são inúmeros. Uns sentem mais, outros menos, é verdade, mas toda situação delicada exige muita sensibilidade, perícia e principalmente, discrição. Afinal, não é fácil lidar com a tristeza alheia, e para ela se tornar uma tristeza sua, é um pulo. A experiência acaba ajudando um pouco, mas cada cobertura tem um grau de exigência diferente. Cada um desenvolve sua própria tática, alguns dizem que preferem manter os olhos no visor da câmera para tentar neutralizar o clima, outros preferem olhar ao redor e sentir o ambiente para transmitir para sua fotografia.
Mãe acompanha velório de filha assassinada pelo ex-namorado.
A cobertura de uma tragédia exige certas habilidades que somente com o tempo é possível adquirir. Uma das coisas mais importantes desse tipo de cobertura é saber distinguir uma situação envolvendo anônimos de uma com pessoas públicas, ou celebridades. Estes últimos, embora estejam numa situação atípica e particular, já estão acostumados com a presença da mídia e muitas vezes, apesar da dor, estão condicionados a receber a imprensa, inclusive reservam um espaço específico para estes profissionais. Já na situação de anônimos, eles podem ter a sensação de ter sua privacidade invadida (com razão), pouco habituados com a exposição e talvez sem ter noção da importância daquele acontecimento para a sociedade. Por isso é importante fazer esta distinção e se adaptar ao seu ambiente de trabalho naquele momento.
Impossível não citar a recente cobertura da tragédia do avião da Chapecoense, em Medelín na Colômbia. Apesar de já ter participado de várias outras coberturas trágicas, dessa vez era diferente, havia muitos outros valores envolvidos que dificultavam o trabalho. Além da repercussão mundial do caso, a quantidade de pessoas envolvidas no acidente (a maioria pessoas públicas), a comoção de toda uma cidade, ainda tinha o fato de conhecer e ter convivido com algumas das vítimas do acidente, e… não bastasse isso, a possibilidade de estar naquele avião era um pensamento presente na mente de todos que fazem a cobertura esportiva em seu dia a dia. Foram alguns dias respirando a tristeza do ambiente enquanto tentava se concentrar para fazer o trabalho da maneira mais transparente e real possível. Mais de 70 corpos, pessoas comovidas e sensibilizadas, autoridades, celebridades e uma cidade vestida para o luto ditavam o ritmo da pauta, que ia se desenvolvendo de maneira cronológica em meio a uma torrencial chuva que parecia emoldurar aquela fatídica data.
Caixões com vitimas do acidente com a Chapecoense chegam em Chapecó e fazem o trajeto de carreta entre o aeroporto e o estádio onde aconteceu o velório.
Da mesma forma que todo este enredo impõe desafios, ele valoriza a pauta, e pode fortalecer o fotojornalista, tanto no lado profissional quanto pessoal, coloca as suas habilidades físicas, técnicas e psicológicas a prova. Seja qual for a estratégia adotada para uma cobertura desta dimensão, cito aqui alguns princípios que servem como regra geral e podem ser adotadas na maioria das pautas do gênero.
- Discrição: Tentar parecer invisível, dessa forma pode se minimizar sua interferência na cena;
- Silêncio: o respeito ao ambiente e aos envolvidos é fundamental, além de ajudar na percepção de situações que possam aparecer;
- Foco: Se envolver ou não com a pauta é algo muito pessoal, mas não se pode esquecer qual seu objetivo no local, saber qual a imagem se pretende fazer, estar atento aos principais personagens e estar preparado para clicar no momento certo;
- Bom senso: Ninguém gosta de ter uma câmera apontada em seu rosto a queima roupa enquanto chora a morte de um ente querido ou aguarda uma informação importante, uma câmera no modo silencioso e uma lente tele objetiva na maioria dos casos pode minimizar este problema;
- Estar informado: Esse item talvez seja praxe do fotojornalismo, mas é sempre bom ressaltar, saber exatamente quem são os envolvidos e ter um breafing do que aconteceu pode evitar gafes e situações constrangedoras;
- Sensibilidade: Infelizmente, algumas pessoas se aproveitam da presença da mídia para aparecerem ou se promoverem, fingindo ser próximo dos envolvidos, simulando choro e até escândalos, é importante que o fotógrafo tenha um feeling para saber distinguir estes desagradáveis oportunistas. Às vezes uma rápida conversa com a pessoa pode resolver este problema;
- Ética: É importante ressaltar que alguns princípios do jornalismo não podem ser extrapolados, e a ideia de manter um repórter fotográfico numa pauta dessas tem o objetivo de informar e não de chocar, embora não seja possível determinar a reação do leitor. Ainda que não existam regras formais, alguns acordos de cavalheiros costumam ser respeitados entre fotojornalistas e veículos de comunicação, em regra geral, ao menos no Brasil. Não fotografar ou publicar fotos de suicídios confirmados, pedaços de corpos, rosto de crianças, pessoas carbonizadas, são alguns exemplos.
Quando estou diante de uma cobertura de tragédias ou situações delicadas, sempre penso na família dos envolvidos e tento me colocar no lugar, dessa forma, evito fazer imagens que eu não gostaria de ver, claro, sem abrir mão da informação jornalística.
Fonte: http://photos.com.br
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