Um dia de luto

Aos meus amigos jornalistas,

De 2010 a 2013 tive a oportunidade de conhecer o mundo do jornalismo brasileiro, a partir de um convite para ensinar a filmar com câmeras DSLR as equipes de fotógrafos de O Globo, Jornal Estado de S. Paulo e Valor Econômico. Percorri diversas cidades entre estas: Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, visitando as redações, as salas de fotografia e multimídia, os ambientes onde fotógrafos se encontram e rapidamente trocam relatos e histórias.O tempo é curto logo uma nova pauta os leva a rua novamente.
Durante este período também participei junto com Leonencio Nossa, Celso Junior e Wilson Pedrosa do documentário “Meninos do Contestado”, publicado no jornal Estado de São Paulo em 2013. Fiz incontáveis amigos e fui muito bem recebido por tantos profissionais da imprensa. Nestes anos também descobri a paixão destes homens e mulheres, seus desafios e as dificuldades que enfrentam a cada dia.
O universo do fotojornalista, está em plena (R)evolução na forma de fazer jornalismo. Passando do papel para o universo digital ainda há muito a ser discutido e repensado no que tange as atribuições dos novos profissionais digitais da imagem. Entretanto, este período me permitiu conhecer o valor destes homens a serviço da captura da informação fugaz, do cotidiano, aquela que não permite um segundo de descuido e certamente não revela quando chegará o aviso para disparar o gatilho. Esta profissão funciona apenas para almas talentosas e criativas, pensei uma vez e acredito não estar errado, são pessoas iluminadas e sofridas. 
Revendo o trágico atentado à vida do nosso colega Santiago, covardemente atingido pelas costas por um bólido de fogo e luz, relembrei os olhares de tantos amigos jornalistas que conheço, do seu desejo de trazer ao público a verdade, de registrar momentos de alegria, de euforia, de tristeza, de maldade, como verdadeiros anjos da comunicação, munidos de suas câmeras, de suas canetas e das suas palavras...
Como conceber um mundo sem a informação, sem a análise do fato, do evento? Parece ser um oficio fácil...mas pergunte a eles, o que é esperar horas a fio por uma pauta? Muitos deles são, antes de tudo, seres apaixonados pela imagem, por registrar os eventos que acontecem na sua frente, muitos poderiam ter escolhido uma outra profissão certamente, mas uma força interna, os leva dia após dia, a voltar às ruas, enfrentando o perigo e como vimos expostos até a própria morte.
Gostaria que todos os que ainda não entenderam o papel e a importância do jornalista pudessem refletir sobre a vida destes homens e mulheres, sobre a sua condição de trabalho e, como a categoria dos professores, ainda não foram devidamente valorizados e reconhecidos na sociedade. Nossas decisões pessoais dependem plenamente do conhecimento do fato descrito, pense nisso. A imprensa, sim, tem um papel essencial na nossa condição de cidadão, aquele instruído, capaz de decidir os rumos do país, do nosso estado, cidade, bairro, da escola dos filhos da família.
Se tiverem a oportunidade de encontrar um jornalista em ação, pare e observe este Ser fascinante; se tiver um pouco mais de tempo e coragem, o detenha para conversar. Certamente terá muitas histórias para contar, histórias de colegas de trabalhos, de causos engraçados da política, da sociedade, da essência da humanidade.
Hoje a Vanessa filha do Santiago, me fez pensar em todos os colegas que tive a honra de conhecer; a eles o meu mais profundo obrigado pelo seu trabalho e contribuição. A seguir as profundas palavras de amor da Vanessa pelo seu pai, pela paixão na profissão e a esperança por um Brasil melhor movido pelas velas do amor, da compaixão e da paz.

Toni Martin Giles "Meu nome é Vanessa Andrade, tenho 29 anos e acabo de perder meu pai. Quando decidi ser jornalista, aos 16, ele quase caiu duro. Disse que era profissão ingrata, salário baixo e muita ralação. Mas eu expliquei: vou usar seu sobrenome. Ele riu e disse: então pode! Quando fiz minha primeira tatuagem, aos 15, achei que ele ia surtar. Mas ele olhou e disse: caramba, filha. Quero fazer também. E me deu de presente meu nome no antebraço. Quando casei, ele ficou tão bêbado, que na hora de eu me despedir pra seguir em lua de mel, ele vomitava e me abraçava ao mesmo tempo. Me ensinou muitos valores. A gente que vem de família humilde precisa provar duas vezes a que veio. Me deixou a vida toda em escola pública porque preferiu trabalhar mais para me pagar a faculdade. Ali o sonho dele se realizava. E o meu começava. Esta noite eu passei no hospital me despedindo. Só eu e ele. Deitada em seu ombro, tivemos tempo de conversar sobre muitos assuntos, pedi perdão pelas minhas falhas e prometi seguir de cabeça erguida e cuidar da minha mãe e meus avós. Ele estava quentinho e sereno. Éramos só nós dois, pai e filha, na despedida mais linda que eu poderia ter. E ele também se despediu. Sei que ele está bem. Claro que está. E eu sou a continuação da vida dele. Um dia meus futuros filhos saberão quem foi Santiago Andrade, o avô deles. Mas eu, somente eu, saberei o orgulho de ter o nome dele na minha identidade. Obrigada, meu Deus. Porque tive a chance de amar e ser amada. Tive todas as alegrias e tristezas de pai e filha. Eu tive um pai. E ele teve uma filha. Obrigada a todos. Ele também agradece. Eu sou Vanessa Andrade, tenho 29 anos e os anjinhos do céu acabam de ganhar um pai".

Vanessa Andrade.

Fonte: http://cinefotografia.ning.com/?xg_source=msg_mes_network

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